Thursday, November 19, 2009

Alternativas dos palestinos ao seu Estado


Lejeune Mirhan *

Fiquei contente quando li o artigo de Roger Cohen, no Herald Tribune, intitulado The Mideast Truce (1), cujo título republicado no Estadão foi “Acordo de paz cada vez mais distante”. Não que eu não queira a paz. Ao contrário.

Muro da Segregação e Vergonha em Israel, com Quase 900 Quilômetros de Extensão

(Muro da Segregação e Vergonha em Israel, com Quase 900 Quilômetros de Extensão)


Desejo a paz ardentemente, e os palestinos também. Ocorre que faz duas ou três semanas, em que publiquei um artigo nesta linha de pessimismo do escritor Cohen. Cabe-nos hoje, refletir as alternativas sobre os rumos do movimento de luta pela libertação da Palestina.

Uma preliminar: o Muro da Segregação


No dia 9 de novembro passado, a direita mundial festejou 20 anos da “queda” do chamado Muro de Berlim, construído em 1961, para separar as duas Alemanhas, a Oriental e a Ocidental, num mundo que não existe mais, que era o da guerra fria. Fizeram festa diante do Portão de Brandenburgo, onde Bach compôs músicas esplendorosas no passado clássico. Dançaram, cantaram. Desenterraram alguns (ex) líderes da época da queda, em 1989, como Mikhail Gorbatchov, queridinha da direita, conhecido como coveiro do socialismo. Se Thatcher parasse em pé hoje, eles a teriam levado, como um cadáver ambulante, uma morta-viva. Merkel, com cara de bebê Johnson, festeja junto com Sarkozy. Querem mostrar ao mundo que a vitória é deles e a derrota é nossa.

De fato, sofremos essa derrota. Já vínhamos sendo derrotados desde 1979, quando a dama de ferro vence as eleições na Inglaterra há trinta anos. Em 1989 foi apenas uma consequência disso. O mundo “endireitou-se” todo de lá para cá, mas hoje, pelo menos na América Latina, o que vemos é uma clara reversão desse processo regressivo, que minimizou estados nacionais, retirou soberania, entregou patrimônio público, demitiu servidores, precarizou trabalho, concentrou renda e riqueza, endividou países, subordinando-os ao Fundo Monetário Internacional.

No entanto, eles fazem essa “festa”, mas estão em depressão profunda. Não possuem saída para a maior crise que o sistema passou desde a de 1929-1932. Seus ideais desmoronaram-se de um dia para outro. Os mais liberais dos liberais, passaram a defender que o Estado saísse em defesa para salvar os capitais em bancarrota. Na verdade, a crise do ano passado foi deles e não foi nossa. A derrota foi deles. É claro, que o nosso lado, os trabalhadores mais sofridos é que acabamos por pagar a crise. Mas o modelo inventado por eles, cuja propaganda mostrava como infalível (falaram até em “fim da história”...), sofreu derrota de morte, esta ferido e pode não ter chance de sobreviver. Vive em estado terminal.

Bem, mas porque falo tudo isso? Que tem a ver a queda do Muro de Berlim com o Oriente Médio? Tudo a ver. É que no Oriente Médio, exatamente na Cisjordânia, na Palestina, desde 2002, vem sendo construído um muro, que o próprio governo israelense chamou de “Muro da Segregação”. É um Muro da Vergonha. Isola aldeias palestinas (daremos os dados adiante).

A direita neoliberal comemora a queda do “nosso” muro. Mas vejam bem. O Muro de Berlim tinha155 Km de extensão. O da Palestina tem 895 Km! Quase seis vezes maior! O Muro de Berlim tinha quatro metros de altura. O da Segregação tem 12 metros de altura! Três vezes mais alto! A largura do Muro de Berlim (área de segurança que ele isolava) era de 40 metros e o da Palestina é de 200 metros! Cinco vezes maior!

Esse Muro da Segregação ou da Vergonha, já condenada pela Corte Internacional de Haia na Holanda (Tribunal da ONU), separa ainda mais os palestinos de suas terras. Israel com isso amplia em mais 12% suas ocupação na Cisjordânia, onde esta ilegalmente desde junho de 1967. E não aceita nenhuma das dezenas de resoluções da Organização para que desocupe esses territórios palestinos. Não só não desocupa, como mantém mais de duas centenas de colônias. Hoje essas colônias (não encontro outra palavra mais apropriada), recebem 450 mil judeus. Se somarmos ocupações, condomínios em Jerusalém Oriental, os judeus em terras palestinas perfazem quase um milhão de pessoas! E esses “assentamentos” não vão parar. Estimulados, inclusive, por declarações desastrosas da secretária de Estado estadunidense, Hilary Clinton, o governo fascista de Netanyahu determinou a continuidade das construções, de novos prédios de apartamentos (mais de 900), na Jerusalém árabe.

O Muro isolou 212 aldeias palestinas em que vivem centenas de milhares de palestinos e suas família. Fala-se em 233 poços de água que foram subtraídos dos palestinos e pelo menos mais 72 nascentes. No total, fala-se em 713 quilômetros quadrados. Isso significa que Israel amplia em pelo menos 12% de todas as terras palestinas histórica (já demos este dado e voltamos a ele: se toda a Cisjordânia fosse devolvido aos seus donos palestinos, a Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental, um possível Estado Palestino teria 22% de toda a Palestina original (um quinto) e mesmo com relação ao Plano de Partilha da ONU, aprovado em 29 de Novembro de 1947, eram 48% da Palestina. Hoje, estamos falando de algo como no máximo 10% do território original.

Nesse contexto, como posso ser otimista? Impossível.

Quais as alternativas possuem os palestinos?

Dei uma entrevista para a Rádio França Internacional (a terceira em três meses), para a competente jornalista brasileira radicada em Paris, Lúcia Fróes. Tratamos sobre quais alternativas estão colocadas hoje para o movimento de resistência dos palestinos (essa rádio é muito parecida com a BBC de Londres e transmite em vários idiomas, para a comunidade francófona).

Com base no que pude ler, ouvir, analisar, travar contatos internacionais, acredito que três podem ser os caminhos. Permito-me compartilhar essas ideias com meus leitores, estando preparado para receber críticas (construtivas). Analiso as consequências inclusive.

1. Completa dissolução da ANP – Mahmoud Abbas, que inclusive chega ao Brasil para avistar-se com Lula em Salvador nesta sexta, dia 20, anunciou dias atrás, que desiste de candidatar-se à reeleição. Ele pertence ao grupo majoritário, mais forte, dentro da OLP, que é o Partido Fatah. Seu grupo deixaria de apresentar qualquer candidatura. Com isso, e se ninguém se apresenta nas eleições marcadas para janeiro, a ANP deixaria de existir! Quase que uma auto-dissolução. Um golpe fatal tanto em Israel, quanto nos Estados Unidos de Obama, cada vez mais frustrando esperanças dos povos e dos governos árabes do OM. Não haveria mais que se falar em negociação da paz, pois do lado palestino não haveria nenhum interlocutor. Fala-se na volta da Intifada dentro da Fatah (revolta de jovens com pedras e fundas). Isso gera um profundo impasse. Os acordos de Oslo de 1993, que renderam o Nobel da Paz para Arafat, Peres (que visitou o Brasil esta semana) e Rabin (assassinado por um fanático dois anos depois) e criaram a ANP, tinham o claro objetivo que esse “Autoridade” deveria seguir as negociações de paz, que objetivassem a criação do Estado Palestino. Passaram-se 16 anos e nada de estado;

2. Criação de um Estado da Palestina de forma unilateral pelos palestinos – Essa é uma opção forte e pode ser adotada, à revelia da ONU e do governo israelense. Israel já rechaçou essa possibilidade, portanto registrando o golpe. Claro, é uma operação mais arriscada. Os palestinos podem não ter de imediato o reconhecimento de várias nações importantes e grandes ao seu Estado. Sabemos que vários estados e repúblicas mais avançadas, em especial as bolivarianas da América Latina, podem imediatamente reconhecer esse novo Estado, criando um problema, digamos, diplomático. Mas, estaria criado uma situação de fato e depois de direito. Força-se uma negociação imediata. Não podemos esquecer que, em 15 de novembro de 1988 (mesmo dia de nossa República...), Arafat proclamou na cidade de Argel, Argélia, de forma unilateral, a Independência da Palestina. Foi um gesto mais político, uma jogada de mestre, mas que teve pouca eficácia para a paz;

3. Defesa de um Estado único da Palestina, binacional e laico – Essa é a mais polêmica de todas. Tratei disso no inicio deste ano. Seria como se existisse um estado único num território que hoje se chama Israel, mas que já se chamou Palestina, voltasse a se chamar dessa forma. Ele seria binacional, bilíngue e lá morariam duas etnias, duas povos, o palestino e o judeu. Tentariam viver em paz. As escolas teriam dois idiomas, o país ou duas bandeiras ou uma nova bandeira que refletisse as duas tradições. Teria que ser democrático e laico. Nunca poderia ser confessional, nem judaico, nem islâmico ou cristão. Coisa parecida com o Canadá, que tem duas línguas e duas culturas bem distintas, onde seu povo fala francês e inglês. Muitos intelectuais veem essa proposta com bons olhos. Claro, Israel é completamente contrário. Até porque, é impossível eles defenderem um estado laico, pelo simples fato que eles são por um estado judeu, sem constituição e, portanto, não democrático. Acho esta a mais difícil das três alternativas.

Registro

Durante o 12º Congresso do PCdoB, realizado de 5 a 8 de novembro de 2009, precisamente para coincidir com as comemorações do aniversário da Revolução de Outubro (7 de Novembro no calendário ocidental) de 1917, na Rússia, que chamamos de revolução Bolchevique ou Socialista. O presidente Lula prestigiou esse evento no ato político de abertura, que ocorreu na sexta-feira, no Palácio das Convenções do Anhembi, na sala que cabe três mil pessoas (compareceu com uma comitiva de oito ministros; discursou 1h15 e foi aplaudido nesse tempo exatas 20 vezes, das quais cinco com a plateia em pé).

Não quero descrever sobre o Congresso. Ele foi grandioso e unitário sobre vários aspectos. Quero discorrer sobre as delegações internacionais. Em torno de 150 camaradas de 50 países estiveram presentes de todos os continentes, em uma demonstração de solidariedade internacional e de internacionalismo proletário.

Tive o prazer de travar contatos com as delegações árabes. Vieram representações da Palestina, do Líbano e da Síria. A Palestina surpreendeu a todos os presentes. Enviou quatro representações distintas. Todos os partidos de esquerda, marxistas-leninistas (Partido do Povo palestino, ex-Partido Comunista; Frente Democrático de Libertação da Palestina – FDLP; Frente Popular de Libertação da Palestina – FPLP e o Fatah).

Nas próximas semanas, terei a honra de tentar entrevistar, ainda que por e-mail, os camaradas dos comitês centrais da FDLP, Dr. Jehad Youssef (a quem tive a honra de recepcionar no aeroporto internacional de Guarulhos) e o Dr. Nassim Alam, da Secretaria das Relações Internacionais do CC da Fatah. Aguardem.

Nota

(1) O artigo pode ser lido neste endereço e saiu no Estadão de 18 de novembro de 2009.

* Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor, arabista e professor. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association.