Thursday, September 03, 2009

A “indústria da paz” no Oriente Médio


Lejeune Mirhan *

Antes de mais nada, quero dizer que esse título acima não me pertence. É de autoria de um jovem estudante palestino chamado Faris Giacaman, que mora na Cisjordânia, mas estuda em universidade nos Estados Unidos. Trata da questão da paz sob outro aspecto. Queria compartilhar com meus leitores, alguns aspectos da questão que ele levanta.

Norman FinkelsteinÉ possível a “coexistência” pacífica?

Faris inicia relatando que, ao se apresentar para seus colegas americanos e outras nacionalidades como palestino, as pessoas vão logo dizendo que sempre participam de atividades que promovem o “diálogo” e a “coexistência” entre “os dois lados do conflito”. Sobre isso, que a seguir publicar alguns trechos que destaquei como mais importantes em seu artigo:

• O autor defende como única solução para que o governo de Israel, qualquer que seja ele, mude sua postura para com os palestinos e aceitem as propostas de uma paz justa, que se realizem campanhas de boicote, desinvestimentos e sanções, cuja sigla mundialmente é conhecida como BDS;


(Foto: Norman Finkelstein, um dos mais
combativos escritores judeus a
favor dos palestinos)

• Para o jovem estudante, é uma grande perda de tempo, uma falácia, essas organizações que promovem encontros entre as “partes no conflito” Israel e Palestina, como se as coisas ocorressem em pé de igualdade e que os contendores desse conflito fossem da mesma capacidade bélica e organizativa (um dos exemplos que ele menciona é um campo onde crianças e adolescentes participam de atividades em favor da paz, um “diálogo” construtivo; podem ser assistidos no endereço http://www.seedsofpeace.org/about);

• A maioria das pessoas tem a ilusão que o “diálogo” e a “coexistência” têm maior efeito para produzir, segundo o autor, uma solução de paz do que os boicotes, desinvestimentos e sanções;

• Ela usa o termo “uma indústria da paz”, que vem ampliando sua atuação desde os acordos de Oslo de 1993, assinados pela OLP, de Arafat, e pelo governo de Rabin, em Israel; pura ilusão;

• Fala-se em “construir pontes” e “ultrapassar barreiras”, mencionando sempre “os dois lados do conflito”, como se ambos os lados fossem duas partes em mesmas condições de combater, sem falar na completa desigualdade existente na correlação de forçar, em especial no campo militar;

• A maior ilusão apontada pelo autor, quando se fala em “duas partes”, “dois lados” parte-se do princípio ou da ideia de ambos os lados cometeram mais ou menos o mesmo número de crimes, são mais ou menos iguais na sua conduta, que não há muita diferença entre o que eles fazem. De fato, no Brasil, por exemplo, canais de TV quando o assunto é a anistia parcial de 1979, falam que “os dois lados cometeram crimes”. Como é possível comparar e taxar de criminoso quem se levantou para defender a liberdade, a democracia e a constituição e o governo constitucional de 1964 de João Goulart? Ora, criminosos foram os que rasgaram a constituição, derrubaram o governo, prenderam, torturaram, mataram, exilaram e cassaram lideranças políticas e sindicais. Colocar em igualdade essas duas “partes” é erros grave e tem objetivo político claro quem os comete; não é só ingenuidade;

• Assumem que também “nenhum dos lados esta completamente certa e completamente errado”. Sobre isso, circulou pela Net uma apresentação bem feita que mostra os tais “dois lados”, mas em uma versão completamente pró-Israel. Iludiu muita gente em janeiro quando Israel bombardeava a Faixa de Gaza;

• Usa-se muito a palavra “conflito”. Até essa palavra é profundamente enganosa, pois implica em uma análise onde a disputa seria travada entre duas partes iguais, simétricas. Mas, não é isso que ocorre. De um lado o quarto maior e mais poderoso exército da terra em poder bélico e de outro, pequenos fuzis kalishnikov, foguetes e morteiros da época da guerra fria, como os Katyuchas soviéticos (quase que uma bomba caseira capaz de produzir apenas sustos nos israelenses) e pedras e fundas, disparadas por crianças e jovens, na sua campanha chamada Intifada “Levante”, em árabe);

• O autor afirma o que temos afirmado neste espaço há anos: a realidade na Palestina é de um projeto de colonização, colonialismo, de discriminação étnica profunda como se vivêssemos um tipo de Apartheid; uma situação típica onde de um lado existe um opressor e de outro os oprimidos;

• Em todos os casos da história onde são registrados casos de colonialismo e discriminação do tipo Apartheid, a mesma história registra que os donos do poder, os opressores, os que colonizam e discriminam, nunca abandoam o poder sem luta e sem resistência popular ou mesmo pressão internacional direta; resistirão ao máximo, até o fim as concessões, o recuo;

• Há uma comparação muito bem feita com a tática de Mahatma Ghandi na Índia para enfrentar os colonizadores britânicos. Ghandi defendeu a satyagraha”, que quer dizer “ater-se firmemente à verdade”. Essa foi a sua arma para se fazer respeitado, para o seu movimento pela resistência não violenta. Se tivesse seguido o caminho do “diálogo” com os colonialistas britânicos se desmoralizaria;

• Claro, é verdade que tanto na África do Sul como na Índia, alguns brancos e britânicos ficaram ao lado dos negros e dos indianos, colocando-se contra os opressores. Mas, a diferença é que eles se posicionaram de forma explícita contra a opressão, contra a colonização, contra todas as injustiças perpetradas pelos opressores;

• Aqui cito uma frase literal de Faris que reflete, em meu modo de ver, a síntese de seu pensamento: “Qualquer reunião conjunta de ambas as partes, portanto, só pode ser moralmente são quando os cidadãos do estado opressor posicionam-se em solidariedade aos membros do grupo oprimido, não sob a bandeira do ‘diálogo’ com o objetivo de ‘entender o outro lado da história’”;

• Permita-me dar alguns exemplos de cidadãos israelenses que, ao que sei, tem esse posicionamento. Entre eles estão Ury Avnery (escritor), Ilan Pappé (historiador), Gideon Levy (jornalista), Norman Finkelstein (historiador). Sou leitor assíduo de tudo que esses israelenses escrevem. Eles somam suas vozes com as do povo palestino;

• O autor demonstra, com números, quanto que foi investido por fundações e ONGs americanas, “preocupadas” com a paz entre palestinos e israelenses desde 1993. Milhões e milhões de dólares. Tudo a fundo perdido e sem sentido algum. Buscam a coexistência pacífica. Em todos os grupos de “diálogo” não esta presente, em nenhum momento, o reconhecimento do caráter agressivo e opressor do Estado judeu e, mais importante, seu caráter racista e discriminador; isso passa ao largo dos tais “diálogos”;

• O autor conclui que mesma a campanha de boicote acadêmico e cultural deve ser observada. Deve-se aceitar apenas e tão somente atividades conjuntas, de cinema, por exemplo, quando o objetivo final for explícito de protestar contra a exploração e opressão dos palestinos;

• Qualquer israelense que procure interagir com palestinos para lhes prestar solidariedade total, condenar os métodos brutais de Israel e sua opressão, que ajude a acabar de vez com a opressão e a exploração, será sempre bem vindo e ajudará a luta dos palestinos;

• Qualquer apelo a um “diálogo” vago, dito “equilibrado”, onde o lema é “há sempre dois lados em toda a história” é intelectual e moralmente desonesto, enganoso e acaba por fazer o jogo dos opressores.

Conclusões

O artigo de Faris pode parecer sectário, avesso ao diálogo. Mas não é. Ele tem profunda razão. Negociar é uma coisa e isso deve ser feito pelos líderes de ambos os lados, acompanhados por entidades e organismos internacionais. Mas o tal “diálogo” direto entre palestinos e judeus, para que se mostre sempre “as duas partes do conflito de forma equilibrada”, é apoiar uma versão falsa da realidade e da história.

Somos a favor do diálogo franco. Mas, somos a favor da luta em solidariedade ao povo palestino, sofrido e oprimido, vilipendiado em seus direitos históricos, roubados em suas terras. De um lado, um povo sofrido, oprimido, discriminado, onde se ganham salários para mesmas funções até menos da metade que os judeus recebem. Nunca, em são consciência, sem correr o risco de fazer o jogo do inimigo, devemos pensar em “equilíbrio”, em “igualdade de condições”, em “partes simétricas no conflito”.

Não há duas partes iguais nessa luta. Os palestinos, apesar da opressão, apesar da diferença de força militar, acabarão vencendo, pois a história está com eles e a solidariedade dos povos que lutam em todo o mundo também estão ao seu lado.

* Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor, arabista e professor. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association.

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