Lejeune Mirhan *
Desta vez a mídia grande não teve como esconder. No último dia 20 de janeiro, agentes do Serviço Secreto de Israel, o Mossad, assassinaram, a sangue frio, após uma sessão de tortura, um dos líderes do grupo Hamas, que luta pela libertação da Palestina.
Mahmoud Abdel Rauf Al Mabhouh encontrava-se hospedado em um hotel na cidade de Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Passado um mês, muitas investigações, acho fundamental que comentemos sobre esse caso esta semana.
Uma prática criminosa de Israel
Não é de hoje que Israel assassina líderes palestinos. E isso ocorre não só nos territórios ocupados ilegalmente por esse Estado criminoso e agressor. Fazem isso em qualquer lugar do mundo. Na Faixa de Gaza, Israel chega a usar bombardeios de alta precisão, lançados de aviões de combate, que atingem a casa específica de um líder da resistência, matando não só a liderança como também toda a sua família. Fez isso inclusive com um dos fundadores do Hamas, xeque Ahmed Yassin, morto em 2004.
Neste caso, o líder assassinado é um dos fundadores das Brigadas Ezzedine Al-Qassam, uma espécie de braço militar do Hamas. Uma pessoa do alto escalão da direção do grupo, que funciona como partido político de orientação religiosa e que atua quase que exclusivamente na Faixa de Gaza. Mahmoud, de 50 anos, que morava na cidade de Damasco com sua família, fazia viagens constantes à Dubai, nos EAU. No último dia 19 de janeiro, quando chegou à capital dos Emirados, dirigiu-se diretamente ao Hotel Al Bustan Rotana e hospedou-se no quarto 230. No dia seguinte, sai para dar uma volta pela cidade e retorna por volta das 8h30.
A partir desse momentos, entra em operação os 11 agentes do Mossad (que em Hebraico quer dizer “Instituto”, que é o nome do Instituto de Espionagem e Tarefas Especiais de Israel). Todos disfarçados (apenas uma mulher no grupo), usando bigodes e perucas falsas, usando passaportes europeus verdadeiros acabam entrando em seu quarto. E, por ironia, colocaram na porta o aviso “não perturbem”.
Mahmoud foi torturado antes de morrer. Foi eletrocutado. Apanhou dos agentes. Sofreu estrangulamento, sufocamento. E acabou sendo morto por uma injeção de veneno aplicada em suas veias. Uma morte cruel, à sangue frio, perpetradas pelos agentes do sionismo.
As repercussões e desdobramentos
Os 11 terroristas que agiram à mando de Israel, usaram passaportes de cidadãos ingleses, irlandeses, um francês e um alemão. Todos os cidadãos são reais, existem e moram em Israel, possuindo cidadania israelense. Mas não sabiam da operação. Um deles inclusive comentou à uma rádio israelense: “fui dormir com pneumonia e acordei assassino procurado em todo o mundo”. Não se sabe até hoje se pessoas dos serviços secretos desses países estiveram envolvidos em fornecer tais passaportes, todos originais, não falsificados, aos agentes, que os receberam no aeroporto Ben Gurion, em Tel Aviv.
O chefe de política dos EAU, general Dahi Jalfan Tamin, já não tem mais dúvidas. Essa operação foi feita pelos agentes do Mossad, que entraram ilegalmente em Dubai com esses passaportes. Já foram arrolados 26 pessoas suspeitas de participarem da operação, cujo centro de comando, foi montado na Áustria. Mandatos de prisão para todos os suspeitos foram emitidos pela Política Internacional – INTERPOL.
Essa operação secreta foi realizada com a concordância e a expressa autorização do próprio primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O conceituado jornal inglês, Sunday Times divulgou essa notícia semana passada de que uma reunião em meados de janeiro teria ocorrido na sede do Mossad em Tel Aviv com a presença pessoal de Netanyahu e do chefe da agência de espionagem de Israel, Meir Dagan, de 63 anos e veterano dessas operações. A equipe teria estado inclusive presente e a frase que Netanyahu teria dito foi a seguinte: “O povo de Israel confia em vocês. Boa sorte”. A operação foi considerada relativamente simples e de “baixo risco” (sic), como quem diz, uma “simples rotina”, nos serviços executados por essa equipe, que leva o nome de Kidon que em hebraico quer dizer “Punhal” e é especializada em operações no exterior, de exterminar lutadores da resistência palestina e opositores do projeto sionista e colonial do Estado judeu.
Há um clima relativamente tenso entre os países cujos cidadãos tiveram seus passaportes usados, como a França, Alemanha, Irlanda e Inglaterra. Estes dois últimos chegaram a chamar os embaixadores de Israel junto às suas chancelarias para protestar formalmente pelo uso indevido dos passaportes. A França de Sarkozy exigiu completo esclarecimento e condenou com veemência o assassinato. A direitista Ângela Merkel preferiu o silêncio.
No governo de Israel reina o silêncio cúmplice de quem sabe de tudo, mas não pode confessar ao mundo. Reconhecer que isso foi feito pelo Mossad seria a confissão pública daquilo que todo o mundo já sabe: Israel é um estado bandido, um estado terrorista que passa por cima de todas as leis internacionais. Um estado pária na comunidade das nações.
Assim, ninguém admite em público a operação. Mas, a ex-chanceler, Tzipi Livni, hoje na oposição, líder do Kadima, partido de centro-direita, acabou confessando e vibrando publicamente com a operação. Disse publicamente que a morte de Mahmoud é “uma boa notícia” (sic), ou seja, uma alta autoridade, uma candidata a primeira Ministra nas últimas eleições (poderia ter sido nomeada como tal), vibra abertamente, não se constrange em apoiar o assassinato seletivo. É um péssimo exemplo ao mundo, mas uma confissão do que é Israel hoje no muno.
A União Europeia emitiu uma nota condenando essa operação e o uso indevido de passaportes de quatro de seus estados membros. Mas, cautelosa e subserviente à Israel e ao poder do sionismo internacional, não menciona na nota o nome desse país.
Do lado palestino, uma unanimidade nesse ponto. Todos os grupos, todas as facões em luta condenaram com veemência o assassinato. O enterro de Mahmoud em Damasco atraiu uma grande multidão. O líder no exílio do Hamas, Khaled Meshaal, fez veemente discurso emocionado, prometendo revidar essa brutal assassinato.
Esse episódio não deverá passar em branco. Mais uma vez, a paz vai ficando cada dia mais distante e quase impossível. Com práticas como essa, que Israel adota não há como chegar a uma paz justa e duradoura. Lamento tudo isso, mas os tempos de paz, de harmonia, de terra para os palestinos ainda estão distantes.
* Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, escritor, arabista e professor. Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa e da International Sociological Association.