Friday, April 16, 2010

O marxismo de olho no Brasil por Lejeune Mato Grosso de Carvalho *


O marxismo nesses últimos anos adquiriu uma dramática atualidade. Depois de estar ameaçado pelos arautos da pós-modernidade de ser jogado num museu ao lado de machados de pedras, ele "reapareceu" como instrumento teórico essencial para entender a crise por que passa o mundo atual. O próprio projeto socialista - realização prática dos pressupostos teóricos e políticos do marxismo - recobrou energia diante da falência da globalização neoliberal e das ideologias que lhe deram suporte.

O livro Marxismo, história e revolução brasileira: encontros e desencontros, do historiador Augusto Buonicore, se insere nessa nova fase da luta teórica - e porque não dizer ideológica - travada em nosso país. É, em primeiro lugar, uma obra que visa afirmar a imprescindibilidade do marxismo para aqueles pesquisadores e militantes que desejam conhecer e transformar a realidade em que vivem. Essa, afinal, é uma das marcas essenciais e originais do pensamento de Marx. Para o pensador alemão, a teoria não deveria ser separada da prática. O desenvolvimento do conhecimento só teria sentido se ele fosse colocado a serviço da transformação social e da construção de um mundo melhor.

Como diz o autor: “O conjunto dos textos se insere em um movimento mais amplo iniciado em meados da década de 1990 e que teve por motor a necessidade de interpretar a sociedade brasileira – sua formação econômica, política, social e cultural – a partir de uma perspectiva histórico-crítica do marxismo. Um movimento que, na ocasião, foi sintetizado na consigna ‘Marxismo mais Brasil’. Começava, assim, um processo que visava a, entre outras coisas, cobrir uma lacuna importante na formação dos militantes da esquerda brasileira: a da articulação do instrumental teórico marxista, agora desprovido de sua carga dogmática, e o conhecimento do Brasil”.

O marxismo dogmático – e esquemático – procurava reduzir a complexidade do mundo às fórmulas simplistas e entendia a complexa história humana como simples reflexo, sem mediação, das relações econômicas. Por isso mesmo, o instrumento para análise da história do Brasil deveria ser um marxismo redimido dos desvios "economicistas". É claro, esse marxismo renovado, precisamente por ser marxismo, não perde a referência dos níveis econômicos - determinantes em "última instância" - mas afirma que as sociedades concretas só podem ser compreendidas pela articulação dinâmica das várias instâncias (ou estruturas) do real: econômica, ideológica, política e cultural.
Nem as classes, nem a luta de classes, nem o Estado, nem a revolução são resultados naturais do simples desenvolvimento das forças produtivas. É, justamente, através desse marxismo que o autor procurou analisar a evolução e as contradições da sociedade brasileira, tratando de temas como: a história das classes e da luta de classes, a formação do Estado, as diversas interpretações da revolução e do povo brasileiro. Por colocado a serviço da transformação social e da construção de um mundo melhor.

Como diz o autor: "O conjunto dos textos se insere em um movimento mais amplo iniciado em meados da década de 1990 e que teve por motor a necessidade de interpretar a sociedade brasileira - sua formação econômica, política, social e cultural - a partir de uma perspectiva histórico-crítica do marxismo. Um movimento que, na ocasião, foi sintetizado na consigna 'Marxismo mais Brasil'. Começava, assim, um processo que visava a, entre outras coisas, cobrir uma lacuna importante na formação dos militantes da esquerda brasileira: a da articulação do instrumental teórico marxista, agora desprovido de sua carga dogmática, e conhecimento do Brasil".

O marxismo dogmático - e esquemático - procurava reduzir a complexidade do mundo às fórmulas simplistas e entendia a complexa história humana como simples reflexo, sem mediação, das relações econômicas. Por isso mesmo, o instrumento para análise da história do Brasil deveria ser um marxismo redimido dos desvios "economicistas". É claro, esse marxismo renovado, precisamente por ser marxismo, não perde a referência dos níveis econômicos - determinantes apenas em "última instância" - mas afirma que as sociedades concretas só podem ser compreendidas pela articulação dinâmica das várias instâncias (ou estruturas) do real: econômica, ideológica, política e cultural. Nem as classes, nem a luta de classes, nem o Estado, nem a revolução são resultados naturais do simples desenvolvimento das forças produtivas.

É, justamente, através desse marxismo que o autor procurou analisar a evolução e as contradições da sociedade brasileira, tratando de temas como: a história das classes e da luta de classes, a formação do Estado, as diversas interpretações da revolução e do povo brasileiro. Por fim, o livro traz uma original reflexão das leituras marxistas sobre a questão racial. Cada um desses ensaios é aberto com a apresentação breve dos pressupostos teóricos marxistas que permitiriam analisar esses fenômenos. E tudo isso é feito em uma linguagem simples para qualquer estudante ou trabalhador consciente. Não devemos confundir, aqui, simplicidade com falta de profundidade teórica ou analítica. Nem todo pensamento denso deve ser hermético. No primeiro ensaio, Buonicore faz uma rica resenha do pensamento dos principais autores marxistas que trataram do problema da revolução burguesa. Começando por Marx e Engels, passando por Lênin, Gramsci e Lukács. O ponto culminante, no entanto, é o tratamento dado ao estudo da chamada revolução brasileira. Ali apresenta, sem preconceito, as contribuições dos principais autores marxistas brasileiros, como Nelson Werneck Sodré, Caio Prado Jr, Jacob Gorender e Carlos Nelson Coutinho.

O autor chegou à conclusão que a revolução burguesa no Brasil se deu pelo processo que Lênin e outros autores chamaram de "Via Prussiana". O seu transcurso teria sido longo e tortuoso. Teria existido "todo um período de transição que vai da década de 1880 até 1950 - e que, para alguns, ainda está inconcluso. Esse processo teve na Independência (1822), na Abolição da escravidão (1888), na proclamação da República (1989) e na Revolução de 1930 seus marcos decisivos". A "via prussiana" teria dado "um forte teor conservador ao processo de transição capitalista no Brasil, impedindo a realização do que seria uma das principais tarefas de uma revolução democrática burguesa: a reforma agrária antilatifundiária. O reflexo superestrutural dessa política de conciliação com o atraso foi a dificuldade de implantação de uma democracia estável e ampliada". Isso explicaria também a exclusão dos camponeses, que representavam a maioria da população, de uma série de direitos sociais.

Mas, para Buonicore, falar em "via prussiana" não significa desconhecer a existência e a centralidade da luta das classes populares. Todo um capítulo do livro é dedicado à análise do desenvolvimento das classes e da luta de classes em nosso país. Quando trata das nossas transições, ele afirma: "A história brasileira e o país que temos hoje são, em última instância, os resultados de séculos de uma acirrada luta de classes - ora cruenta, ora incruenta, ora aberta, ora mascarada (...). A Nação tem as marcas das lutas do nosso povo - dos escravos, camponeses, operários, intelectualidade progressista - às vezes derrotadas e às vezes vitoriosas. Mesmo quando derrotadas e banhadas em sangue, as lutas populares ajudaram a empurrar a roda da história para frente".

Assim, não existe nenhuma visão negativista sobre a nossa história, apenas a constatação crítica dos limites desses processos que, em geral, não se completaram e mantiveram elementos do atraso, como o latifúndio, a dependência externa e a exclusão de parte de nosso povo de uma cidadania plena.


"A HISTÓRIA BRASILEIRA E O PAÍS QUE TEMOS HOJE SÃO, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, OS RESULTADOS DE SÉCULOS DE UMA ACIRRADA LUTA DE CLASSES - ORA CRUENTA, ORA INCRUENTA, ORA ABERTA, ORA MASCARADA (...). A NAÇÃO TEM AS MARCAS DAS LUTAS DO NOSSO POVO - DOS ESCRAVOS, CAMPONESES, OPERÁRIOS, INTELECTUALIDADE PROGRESSISTA - ÀS VEZES DERROTADAS E ÀS VEZES VITORIOSAS. MESMO QUANDO DERROTADAS E BANHADAS EM SANGUE, AS LUTAS POPULARES AJUDARAM A EMPURRAR A RODA DA HISTÓRIA PARA FRENTE"
Augusto Cesar Buonicore, autor de Marxismo, História e Revolução Brasileira: Encontros e desencontros

Livro: Marxismo, História e Revolução Brasileira: Encontros e desencontros Autor: Augusto César Buonicore Editora: Anita Garibaldi Ano: 2009 Páginas: 319 Preço informado: R$35,00

* Lejeune Mato Grosso de Carvalho é sociólogo, professor, escritor e arabista. Lecionou na Unimep de 1985 até 2006. Preside hoje o Sindicato dos Sociólogos do Estado de SP, tendo sido presidente da FNSB de 1996 a 2002