Thursday, June 18, 2009

A posição de Israel contra o Estado Palestino

por Lejeune Mirhan*

A imprensa deu destaque na última segunda-feira, dia 15 de junho, à notícia de que Israel, através de seu primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, “aceitaria um Estado Palestino”, desde que “desmilitarizado”. É um assunto que não temos como não tratar nesta semana. A euforia da mídia foi de que isso se tratou de um grande “avanço”. Algumas coisas precisam ser mais bem aclaradas.


Netayahu discursa em Universidade

Qual proposta foi feita?

Parece que querendo imitar o presidente americano Barak Obama, que pronunciou um discurso histórico semana passada em uma Universidade no Cairo, Netanyahu fez a mesma coisa na Universidade Bar Ilan, perto de Tel Aviv. Durou cerca de uma hora e ocorreu no domingo, dia 14 de junho (lembremos que domingo é o primeiro dia útil da semana para os judeus).

Já dissemos em artigos anteriores que este atual governo de Israel é o mais à direita, o mais conservador de toda a história dos 61 anos de existência do Estado judeu. Nunca uma coalizão de partidos de extrema direita elegeu tantas cadeiras no parlamento a ponto de formar um governo com essa configuração ideológica como o atual.

Nesse sentido, queremos dizer desde já que só pelo fato da palavra “Estado Palestino” ter sido pronunciado pela primeira vez da boca de Netanyahu, por si só, já tem aspectos positivos. No entanto, precisamos conhecer os detalhes da proposta que ele apresentou.

Em síntese, esse tal “Estado” Palestino teria as seguintes características:

• Seria completamente desmilitarizado, ou seja, não poderia ter exército, nem marinha, nem aeronáutica e não poderia vigiar suas fronteiras, que também não seriam bem definidas;

• Não poderia ter nenhum controle do seu espaço aéreo;

• Teria que abster-se de forma pública e declarada de qualquer contato e relações com o Irã e o agrupamento político do Hezbolláh, que atua no Líbano;

• Deve reconhecer de público o caráter “judeu” de Israel;

• Não poderia nunca “incitar” o ódio contra judeus;

• A solução para o problema dos refugiados palestinos deve ser encontrado fora das fronteiras de Israel e com a ajuda da comunidade internacional;

• Jerusalém seguiria como capital indivisível do Estado de Israel.

Antes de entrarmos na análise do significado dessas propostas, é preciso relembrar as propostas que os palestinos, os países árabes (em sua maioria) e mesmo o grupo chamado Quarteto, tem apresentado, como proposta viável para a paz pelo menos as seguintes questões: a) fronteiras definidas, como as de antes da guerra de 1967; b) Jerusalém como capital do Estado; c) solução para os refugiados, com a sua volta (pelo menos em parte) e d) desmantelamento das colônias e assentamentos judaicos.

Uma proposta inviável

Olhando o mínimo aceitável por parte dos palestinos, mesmo em uma situação adversa do ponto de vista internacional, a proposta que Netanyahu apresenta menciona “Estado Palestino”, mas de estado não tem nada. Quando muito, uma espécie de bantustão nos moldes do que existiu na África do Sul na época do sistema de apartheid. Não há autonomia alguma, não se desmantela nenhuma das colônias, esse novo “estado” palestino não teria nenhuma autonomia. As estimativas internacionais e mesmo dados de Israel, existem entre a Cisjordânia e Jerusalém Oriental, quase meio milhão de israelenses que moram em terras palestinas.

As sete propostas apresentadas delineiam de forma geral, as concepções do sionismo na verdade, dos direitistas de Israel sobre esse arremedo de Estado. Se Obama mandou seu porta voz declarar que “celebrou” a declaração, do lado palestino a proposta foi completamente rechaçada por todas as correntes, do Hamas ao Fatah da ANP. Senão vejamos:

1. Pouco muda na proposta com relação ao atual formato da Autoridade Nacional palestina. Esta não tem quase nenhuma autonomia, apenas poder de polícia. Não emite dinheiro, nem cobra impostos, nem fiscaliza fronteiras. Assim quer Netanyahu para o “estado” palestino;

2. Não há menção alguma a fronteira desse “estado”, ou seja, nada fala sobre as fronteiras anteriores à Guerra dos Seis Dias de junho de 1967. Caso um Estado palestino fosse criado nesse território, ainda assim ele seria apenas 22% da Palestina histórica;

3. Ao pedir que palestinos reconheçam o “caráter judeu” de Israel, proposta do partido fascista Israel Beitenu, de Avigdor Liebermann, seria como se quase 1,5 milhão de palestinos abrissem mão de sua origem e cidadania palestina, abjurando de sua história, de seu passado, de suas tradições e declarasse lealdade e fidelidade a um estado teocrático judaico. Um verdadeiro absurdo essa proposta, inaceitável;

4. Existem quatro milhões de refugiados palestinos, que vivem espalhados pelo mundo. Netanyahu quer que eles nunca mais retornem, nega-lhes esse direito, como todos os governos israelenses negaram nesses 61 anos da Nakba. Ou seja, judeus de qualquer parte do mundo podem retornar quando quiserem e serão recebidos de braços abertos pelos israelenses, mas palestinos tem que continuar no seu exílio forçado;

5. Quanto às colônias e assentamentos, até menciona em não expandi-las mais, mas fala que elas terão um “crescimento natural” (se expandirão sempre);

6. Por fim, a questão da capital. Se os palestinos quiserem, que pensem em outra cidade para ser a sua capital, mas Jerusalém seguirá como “capital indivisível de Israel” (sic).

Assim, ainda que possa sinalizar um recuo nas suas posições de nem sequer mencionar a palavra “estado” palestino, a proposta colocada agora em discurso – mas não na mesa de negociações – é, me parece, inaceitável para as lideranças palestinas.

Com relação especificamente os assentamentos judaicos na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental, há três situações que poderiam, em tese, ser implementadas: a) desmantelar todas elas e deslocar os quase meio milhão de judeus dessas localidades, passando seu controle total aos palestinos que recuperariam suas terras e propriedades nessas cidades, aldeias e vilas; b) “congelamento” de sua expansão, ou seja, tudo ficaria como esta e c) sua ampliação, seja ela “naturalmente” ou mesmo criando novas. A média de nascimento de crianças judaicas nessas localidades, onde moram judeus ortodoxos, se equipara à média palestina, ou seja, quase cinco filhos por casal.

Por fim, devo comentar que Netanyahu de certa forma rebateu uma parte sensível do discurso de Obama para o mundo muçulmano. Obama havia mencionado que Israel fora criado em meio à comoção do holocausto judeu na Alemanha. Netanyahu, sem citar esse trecho do discurso de Obama, disse que o direito do estado judeu de existir nada teve a ver com o holocausto, chegando a afirmar que se tal estado existisse antes, o holocausto não teria ocorrido. Aqui ocorre uma polêmica, mas que, do ponto de vista sionista e judaico, Netanyahu que dizer ao mundo que Israel tem mesmo direito à sua existência, desde tempos imemoriais. Entra em uma seara que nada tem a ver com a história, mas apenas com as lendas bíblicas. Não há região no mundo mais antiga, de vida continua e que tem nome idêntico há milhares de anos tal qual a Palestina. E, um dia, os palestinos todos a ela retornarão.

Liebermann no Brasil?

Circularam notícias pela Internet de que no próximo mês de julho, estará em nosso país o chanceler de Israel, Avigdor Liebermann. Ele viria ao Brasil para discutir com nossa chancelaria a visita – polêmica desde já – que Lula pretende fazer à Israel no final do ano, já anunciada. Na semana que vem abrirá em Brasília a 2º CONAPIR, Conferência Anti-Racista, da qual pretendo me fazer presente integrando a delegação palestina. Acho que esse será um bom momento para discutirmos ações conjuntas e unificadas de todas as entidades representativas da sociedade brasileira, de repúdio a esse presença de um fascista e sionista em solo brasileiro.




*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological



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