Thursday, May 28, 2009

“Lei da Lealdade” em Israel por Lejeune Mirhan*


Como têm ocorrido nas últimas semanas, vários assuntos importantes vêm se destacando no Oriente Médio. Em especial a visita atrapalhada do vice-presidente dos EUA ao Líbano. Mas, inequívocamente o episódio de um projeto de Lei apresentado pelo novo governo israelense é tema de nossa coluna desta semana.



(foto: Alex Miller, deputado fascista que quer subjugar os palestinos)

Estado judeu

A história todo mundo conhece. Desde o final do século 19, judeus do mundo inteiro foram incentivados a se mudarem para a Palestina e por lá tentar estabelecer alguma base, assentar-se com sua família, cultivar um pequeno pedaço de terra, etc. Eram judeus vindo do várias partes do mundo. Na sua maioria compravam pequenos lotes de terras de palestino. Ou simplesmente a ocupavam usando para isso métodos diversos.

Um primeiro censo realizado no início do novo século mostrava de forma clara que a maioria residente era árabe, eram os palestinos. Os judeus eram apenas 8% da população local. No entanto, isso foi sendo alterado completamente com o passar dos anos, incentivados pela Agência Judaica, pelos sionistas.

Dois anos após a proclamação do Estado, feito por Ben Gurion em 15 de maio de 1948, o parlamento israelense aprovou uma lei em 1950 que dera cidadania automaticamente a todo e qualquer judeu ou judia que migrassem para Israel e que lá se estabelecesse. Esse direito ao retorno era também direito a estudo gratuito, trabalho, saúde gratuita, proteção e carteira de identidade nacional, direitos esses negados aos palestinos que ficaram na parte israelense de suas terras históricas e ancestrais.

Isso foi feito, entre outras medidas, para que fosse assegurado cada dia mais, o caráter judeu do Estado de Israel. Essa é a questão central. No entanto, isso não foi feito de forma a obrigar que árabes e palestinos em geral reconhecessem o tal caráter judeu desse estado.

A realidade vem se alterando, em especial no aspecto do que sociólogos e demógrafos chamam de “bomba populacional”. A média de número de filhos de uma mulher árabe é o dobro de uma mulher judia. Claro que entre os ortodoxos essa média de filhos se equipara aos dos palestinos. Previsões indicam que em 2050, com ou sem estado palestino, viverão em Israel mais árabes do que judeus.

Aqui entram algumas teorias conspirativas, nunca provadas. Mas, diz-se que sempre que os palestinos ultrapassam a marca de 20% da população de Israel, um massacre é feito, bombardeios como os da Faixa de Gaza durante 22 dias entre 27 de dezembro do ano passado e 21 de janeiro deste ano, estariam dentro dessa lógica de garantir certos momentos de massacres e “pequenos” genocídios para garantir o controle sobre o crescimento populacional.

De qualquer forma, os cidadãos árabes, palestinos e de outras nacionalidades que não sejam judeus, são cidadãos de segunda categoria. Mas, nunca lhe foi exigido fidelidade ao Estado de Israel, juramento à bandeira, compromisso com o caráter judaico desse estado. Agora, porém, as coisas estão mudando. E para pior.

A Lei fascista de Avigdor

Não se trata aqui de eu falar mais uma vez quem é esse cidadão, de viés fascista. Seu nome é Avigdor Liebermann e imigrou da Moldávia para Israel quando jovem. É ultranacionalista, de extrema direita, ainda que de orientação laica, ou seja, não é religioso. Como seu Partido cresceu barbaridade nas últimas eleições – Israel é a Nossa Casa (em hebraico, Israel Beitenu) – ele cacifou-se e exigiu o cargo de ministro das Relações Exteriores, ou seja, Chanceler. E levou.

A proposta que ele agora apresenta, de juramento de lealdade ao Estado judeu não é nova. Ele na verdade esta sendo coerente com o que pregou durante toda a sua campanha que lhe rendeu 15 vagas no Knesset (Parlamento de Israel). De que se trata? Deputados de seu Partido apresentaram no parlamento no último dia 24, domingo (para judeus é dia normal de trabalho, pois eles guardam os sábados), uma lei que vincula completamente a concessão de cidadania israelense a um juramento de fidelidade ao “judaísmo, ao sionismo e ao estado democrático de Israel”. Isso é incrível, mas era previsível. Vejamos.

Pelo menos 1,5 milhão de árabe-palestinos vivem nas terras que o mundo chama de Israel desde 29 de novembro de 1947 e 15 de maio de 1948. São os palestinos originários (estes estão bem velhinhos), ou seus descendentes de primeira e segunda geração, que conseguiram resistir e permaneceram em Israel (estima-se que outros quatro milhões, também descendentes ou originários, vivam em acampamentos precários em países vizinhos à Israel).

Esse mesmo Partido já havia proposto uma Lei no parlamento que proibisse que os palestinos fossem para as ruas protestar e lembrar o que eles chama de Al Nakba ou em árabe “Dia da Desgraça/Catástrofe”, sempre lembrado no dia 15 de maio, data da proclamação do Estado de Israel. Portanto, um partido fascista que proíbe manifestações livres de um povo. Ambas as proposições foram apresentadas pelo deputado ultranacionalista Alex Miller.

Uma proposição dessa natureza reforça o caráter judeu do Estado de Israel. Ou pelo menos essa é a intenção. Mas, na prática, o que ela reforça mesmo e a convicção que sempre tivemos que Israel é um estado racista, nenhum pouco democrático, excludente. Se aprovado ambas as proposituras, humilhará o mais de um milhão de palestinos a jurarem fidelidade a um Estado que não é o seu. Os obrigará a renegar a sua condição de palestinos, à sua identidade histórica. A proposta almeja na prática a completa perda da identidade nacional do povo palestino, de seu direito inalienável de serem cidadãos, de professarem sua religiosidade livremente e expressarem seus sentimentos políticos e nacionais. Ou seja, uma legislação típica de países fascistas. Esse é Israel da atualidade.

A intransigência de Bibi

Obama, como prevíamos, não dobrou o primeiro Ministro Bibi. Ao contrário. Ele conseguiu dar diversas entrevistas, mas não pronunciou uma só vez e palavra “Estado Palestino”. Continua irredutível. O poderoso lobbie israelense nos EUA, chamado AIPAC (na sigla em inglês), tem muito dinheiro e apoio em Washington e na Câmara dos Deputados e no Senado. Nos anos de existência de Israel – 61 anos – este país recebeu próximo de 200 bilhões de dólares (sem atualização monetária e sem levar em conta a inflação do período). Isso é muito mais do que os Estado Unidos destinaram no mesmo período para o restante de todos os países da terra que necessitam de ajuda humanitária! Ou seja, um pequeno país de sete milhões de judeus recebe mais do que toda a população da terra que precisaria de ajuda humanitária (pelo menos dois bilhões de pessoas).

Não creio que ambas as leis venham a ser aprovadas no parlamento, apesar da maioria esmagadora da extrema direita. Mas isso deixaria o país em maiores dificuldades políticas com a comunidade internacional do que já vem sendo criada desde a eleição e posse de Bibi e seu governo extremista. Como dizem os analistas, nunca um governo de Israel em 61 anos foi tão arredio e refratária às discussões de paz como este atual com sua composição de partidos direitistas.

Num gesto de força de Bibi e – lamentavelmente – de fraqueza de Obama, prosseguem as colonizações em terras palestinas. Tanto na Cisjordânia, como em Jerusalém Oriental, a parte árabe. Porta-vozes do governo de Israel reafirmam a todo o momento que as construções das casas não serão interrompidas. Mas não bastasse isso, uma dessas bombásticas declarações deixou clara a “indivisibilidade” de Israel, como eterna capital de Israel.

Por isso e tantos outros motivos que temos enumerado a paz, ora, a paz... está cada dia mais distante. Ou estou enganado? A história mostrará.


*Lejeune Mirhan, Presidente do Sindicato dos Sociólogos do Estado de São Paulo, Escritor, Arabista e Professor Membro da Academia de Altos Estudos Ibero-Árabe de Lisboa, Membro da International Sociological