Tuesday, May 16, 2006

Da Itália e Garotinho a Morales, PT e Varig - por Frei Betto

Retorno ao Brasil após maratona de palestras na Itália: Aosta, Modena, Bolzano, Pistoia, Morbegno e Misano. Encontrei uma Itália dividida. Embora o voto não seja obrigatório, mais de 80% dos eleitores posicionaram-se em torno dos nomes de Berlusconi e Prodi. Venceu Prodi, candidato de centro-esquerda, pela exígua vantagem de 25 mil votos.

A tensão eleitoral reflete a social. A Europa Ocidental chegou ao topo de seu bem-estar. O futuro se lhe delineia como um plano inclinado, já que não cria progresso científico e tecnológico. Usufrui dos avanços protagonizados pelos EUA. Em 2005 a Itália teve crescimento zero.

Um operário da Fiat de Betim (MG) ganha por mês o que se paga por dois dias de trabalho a um operário da Fiat de Turim. Em busca de maior margem de lucro, as indústrias se deslocam para países fornecedores de mão-de-obra barata. Resta ao europeu o capital especulativo engordado por essa estranha alquimia econômica que transforma o Terceiro Mundo em exportador de capital, amealhado por um sistema financeiro anabolizado por contas secretas que acobertam fortunas escusas e criminosas.

Hoje, o europeu ocidental desfruta de uma qualidade de vida jamais conhecida pelas gerações anteriores. Mas não o faz impunemente. Embora haja fila para adquirir um carro Ferrari no valor de 600 mil euros (cerca de R$ 1,5 milhão), não há rede de proteção social que suporte o peso de tantos desempregados, devido aos avanços tecnológicos, e tantos aposentados, graças à dilatação da média de expectativa de vida.

Esse direito é extensivo aos imigrantes, inclusive aos que chegaram há pouco, fugidos da miséria, sem que tenham contribuído durante anos para o sistema previdenciário. Eis que se atiça a xenofobia. Na Europa Ocidental, com exceção dos turistas, os de fora não são bem-vindos. Sobretudo aqueles nos quais o crescente preconceito identifica potenciais terroristas.

Na Itália, Berlusconi simboliza o dinheiro farto, a ostentação do europeu que, abastecido de rendas, se dá a um requinte outrora só desfrutado pelos nobres. Na Enoteca Pinchiorri, o melhor restaurante de Florença, o prato mais barato custa o equivalente a R$ 460. E há filas para a reserva.

Prodi significa que o sonho acabou. E se não quiser resvalar para o plano inclinado, o italiano deve começar a preocupar-se com o futuro no qual o capital produtivo tenha precedência sobre o especulativo. Há que tomar distância dos EUA; aproximar-se de Zapatero, chefe do governo espanhol; trazer de volta as tropas italianas no Iraque; encarar de frente o desafio ecológico; promover reformas nas instituições.

Constatei grande interesse pelos ventos democráticos que sopram na América Latina. Os eleitores de Prodi torcem pela reeleição de Lula, conscientes do papel estratégico do Brasil no Continente.

###

O ex-governador do Rio faz greve de fome. Fiz duas quando preso político, uma por seis dias e a segunda por 36. Estávamos numa ditadura, na qual oposicionistas eram tratados como terroristas, e havia mortos e desaparecidos. Hoje as instituições democráticas funcionam relativamente bem. Tanto que Garotinho, que já foi PT, PDT e agora é PMDB, se elegeu governador e fez eleger a mulher para o mesmo cargo. A atitude de Garotinho é ridícula. Quem faz greve de fome fecha a boca. Mas a dele precisa se abrir para explicar as denúncias em torno de sua pré-candidatura à presidência.

###

Evo Morales fez o que o Brasil devia ter feito ao criar a Petrobrás, nos anos 50: nacionalizou a produção e a comercialização do gás boliviano. É um direito de soberania. O Brasil deixou a comercialização do petróleo em mãos de empresas estrangeiras. Em cada esquina, um posto de origem estadunidense.

A Bolívia tem 70% de sua população vivendo com uma renda per capita/dia inferior a dois dólares. E Morales apenas cumpre sua promessa de campanha. Não fez demagogia, como se o seu nacionalismo fosse apenas para efeito de marketing eleitoral. O governo boliviano não estatizou as empresas estrangeiras que operam no país. Exige, porém, controle acionário. O Brasil compra, por dia, cerca de 25 milhões de metros cúbicos de gás natural da Bolívia e paga por ano apenas US$ 800 milhões. Quem acha que Morales exagera, dê uma olhada nas leis dos EUA, da Inglaterra e da França, que defendem a exploração e comercialização dos recursos naturais daqueles países. E ninguém ousa acusar o trio de desrespeitar “direitos internacionais”. Antes de respeitar as “leis do mercado”, um governo tem a obrigação de respeitar e proteger os direitos da nação. Chega de neocolonialismo!

###

O PT decidiu, em seu encontro nacional, não apurar as responsabilidades de seus parlamentares acusados de receber “dinheiro não-contabilizado”… Ou melhor, promete que o fará após as eleições, mas sem tratar de casos individuais. O mesmo partido que expulsou companheiros(as) por razões políticas agora se recusa a sequer investigar os que são suspeitos de transgredir a lei e a ética. E o faz em nome da prioridade de reeleger Lula. Não percebe que a candidatura Lula se fortaleceria com a coerência do PT a seus princípios históricos, norteados pela estrela da ética e da defesa dos direitos dos mais pobres. Jogar o lixo para debaixo do tapete é deixar pairar sobre os acusados a aura da suspeita. Com o risco de não reelegê-los em outubro. E abrir um precedente grave: o mesmo PT que expulsa por divergência política, acoberta a transgressão ética. Lula, que demitiu ministros de primeiro escalão diante de suspeitas éticas, merecia no mínimo igual atitude do partido que criou.

###

A Varig é a cara do Brasil. Ou melhor, as asas. Seus gestores não deveriam ter deixado uma empresa de tamanha importância estratégica atolar-se numa dívida superior a R$ 6 bilhões. Milhares de empregos diretos e indiretos estão em jogo. Tomara que se encontre uma saída que impeça a companhia aérea de ter o mesmo destino da Vasp e da Transbrasil.

Frei Betto é escritor, autor, em parceria com Leonardo Boff, de "Mística e Espiritualidade" (Rocco), entre outros livros.