A IV Cúpula dos Presidentes da América, ocorrida nos dias 4 e 5 de novembro de 2005, havia sido programada para consolidar, e festejar, uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), programada para começar neste mesmo ano. Era para ser a consagração do domínio do grande capital e de sua representação imperial sobre todo o hemisfério. Os EUA exibindo ao mundo os benefícios diretos da expansão de seu poder econômico e militar. Prosperidade e segurança na América como condição e promessa para um mundo sob os mesmos parâmetros. A periferia dos EUA como se fosse uma grande China, só que domesticada em seu próprio quintal. Enormes estoques de mão-de-obra barata, cinturões especializados em commodities, incalculáveis recursos naturais à disposição, mercados consumidores maleáveis e mimetizadores, institucionalidades coerentes com os interesses e as dinâmicas dos conglomerados transnacionais. A América Latina inteira esquadrinhada e reterritorializada pelo capital como o novo "american dream".
A Cúpula presidencial pretendia instaurar as reformas de mercado de segunda e de terceira geração: ajustes fiscais estruturais, marcos regulatórios estritamente privatistas, planejamento de uma infra-estrutura especializante e desarticuladora, e financiamentos ainda mais condicionais. Trata-se de uma liberalização coordenada que objetiva aprofundar nossas diferenças e depois engessá-las através de mediações sociais e ambientais, criminalizando-se o que ficar "alheio" a tais "consensos". Uma vitrine particular de um capitalismo com padrões superiores de eficiência econômica e estabilidade sócio-política.
Mas faltou combinar com esse lado de cá, onde sempre sobraram mãos desatadas e pedras na direção certa. Séculos de humilhação colonial, de genocídios e de etnocídios, ainda assim nos recriamos na resistência. Décadas de Ditaduras Militares, rios de sangue depois; e nos apresentamos de novo redivivos. Vieram as democracias, fragmentadoras e mistificadoras, e vacinados continuamos. Configuraram-se "pactos sociais" com setores egressos da esquerda para reciclar a dominação neoliberal; e não nos dobramos. A III Cúpula dos Povos, na mesma Mar Del Plata, entre 1 e 5 de novembro serviu para lembrar-lhes de tudo isso, e também para nos colocar em marcha.