ESCRITO POR JOSÉ CARLOS MOUTINHO
18-JUL-2007
O diretor-presidente da RCTV (Rádio Caracas de Televisão), Marcel Granier, foi entrevistado no programa “Canal Livre”, da Rede Bandeirantes de Televisão (Band), no dia 01/07. O “comunicador” venezuelano tentou passar para os brasileiros a imagem de um perseguido político. Os jornalistas da Band ficaram no trivial. Optaram por não incomodar muito seu colega de imprensa com questionamentos mais aprofundados sobre o vencimento (legal) da concessão da RCTV, a participação desta no golpe de Estado de 11 de abril de 2002, sobre financiamentos das multinacionais e programação inapropriada para as crianças, entre outros. A preocupação principal daquela espécie de convescote jornalístico era atacar o Governo Hugo Chávez. Não tiveram preocupação de analisar o direito constitucional do Governo da República Bolivariana da Venezuela sobre as concessões do espaço radiofônico. Como se faz no vôlei, os entrevistadores só se empenharam em levantar a bola para que ele cortasse. Levantaram a auto-estima do pobre ricaço.
Pautada pela corporação Ruppert Murdoch/Fox News Cannel, a Band manifestou seu nítido apoio àquele irresponsável comunicador. O “Canal Livre” deu a oportunidade para Granier mentir a vontade.
Granier disse, entre outras coisas, não ter recebido, nem visto o “Livro Branco sobre a RCTV”. Um dossiê elaborado pelo Ministério do Poder Popular para a Comunicação e Informação da Venezuela, que trás a luz do dia o obscurantismo daquela rede de televisão. Disse que sua televisão é democrática, que não participou do golpe contra Chávez. Mas não se conteve em manifestar sua repulsa, intolerância, arrogância e desrespeito pelo líder venezuelano.
A partir do presente artigo vamos trazer algumas importantes questões que Granier não quis que os brasileiros soubessem e nem os jornalistas da Band fizeram esforço para que ele dissesse. O “Livro Branco sobre a RCTV” é um libelo para a imprensa responsável e um míssil (no bom sentido) contra o conglomerado da mentira internacional e seus “afiliados”.
Caixa de ressonância
A posição submissa ao império da mentira internacional não é só uma qualidade da RCTV, pelo visto. É, também, do “Canal Livre” (Band), é da Globo, e de outras mais, que seguem a pauta exógena de tentar desqualificar o presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías, e, paralelamente, a integração sul-americana. Tal orientação nada mais é do que a manifestação objetiva das instituições financeiras imperialistas contra a Revolução Bolivariana e o Mercosul. Os financiadores da invasão ao Iraque acusam o presidente venezuelano de agredir à liberdade de imprensa e expressão, de ser um presidente totalitário e ditador, um incômodo nos encontros de chefes de Estados. Tal linha editorial foi a tônica da entrevista de Granier no programa “Canal Livre”.
Existe um influente número de esclerosados no mundo (esses que figuram na revista “Fortune”) que só sabem contar dinheiro, checar seus longos extratos bancários. Vivem a vida toda contando dinheiro e tentando golpear os outros para ganhar mais e mais dinheiro. E há os gerentes ideológicos destes, que ganham algum dinheiro para ajudar os poucos biliardários a tomar posse das riquezas alheias e subverter a cultura de um povo. Para ajudar na identificação dos gerentes, são os Roberto Campos e os FHCs da vida, que tudo fizeram para acabar com a Era Vargas e pôr fim ao Estado brasileiro. Conseguiram entregar (a preço de banana) setores estratégicos, como a Vale do Rio Doce, as telecomunicações, o transporte de cabotagem. E há ainda os novos neoliberais, que hoje sonham fazer o mesmo com a Petrobrás, na medida em que estão aumentando cada vez mais o nível de internacionalização da estatal e exportando petróleo bruto como se fosse uma “commodity” qualquer. Estamos perto de ver todo lucro das nossas empresas (estatais ou privadas) esvaírem para o exterior. E o brasileiro que vá “catar coquinho” e plantar cana para os gringos.
Na Venezuela há os Granier e os Carmonas, que seguem a mesma lógica de seus homólogos brasileiros. Preferem ver aquele rico país caribenho curvado ante o capital estrangeiro. Acham que os anglo-saxãos são bons administradores, por isso, mantiveram, por longos anos, a PDVSA distante do povo e em estreito laços com os acionistas em Wall Street, que mamavam nas tetas daquela estatal venezuelana. Essa é a questão de fundo oculta nos debates sobre a liberdade de imprensa e expressão, não só na Venezuela como no Brasil e demais países. O direito de quem deve prevalecer: o da maioria do povo ou a minoria de serviçais do sistema financeiro internacional?
Tal alarde da mídia, questionando o direito legal de um Estado soberano, pode funcionar como uma tentativa de intimidação para evitar a não renovação de outras concessões, como por exemplo, as do setor petrolífero. Nós assistimos o caso da Bolívia. Mas podemos, também, um dia, que esperamos seja breve, assistir no Brasil, quando decidir pôr fim aos leilões de nossas bacias sedimentares, que concedem imensas áreas do território nacional às multinacionais. As multinacionais vão gritar (a mídia vai reforçar o grito) e o Brasil entrará para o “Eixo do Mal”.
Esses personagens, via as maçudas edições dos mega-jornais, TVs e rádios procuram denegrir as forças progressistas. Eles têm verdadeira antipatia pelas expressões “defesa da soberania nacional”, “Estado de Bem-estar Social”, “projeto de desenvolvimento nacional”, “empresas estatais”, “monopólio estatal do petróleo”, “reforma agrária”, “gastos sociais”, “distribuição de renda com justiça social”, “pleno emprego”, “investimentos nas Forças Armadas”, “sentimento de pátria”, entre outras. Dia e noite, ininterruptamente e subliminarmente, trabalham para distanciar o povo de tais princípios fundamentais para conformar a cidadania.
A mensagem dos oligopólios midiáticos é o individualismo: você tem vida curta, viva a vida, viva o agora, ganhe dinheiro rápido, diante do estresse e do desemprego leia livros de auto-ajuda, saiba economizar seu salário (se é baixo, foi devido a sua qualificação que não acompanhou o mundo globalizado), Carteira de Trabalho é coisa do passado, seja autônomo, não se misture aos sindicalistas e aos defensores da soberania nacional e do socialismo.
Goebbels global
O escritor Richard Neville, em seu artigo “La vida y los crímenes de un Goebbels global” (Rebelión.org, 12-09-06), citou um fato bastante didático sobre a “liberdade” da mídia internacional. Ele disse que a jornalista Serene Sabbagh (ex-Fox News) explicou o motivo pelo qual chegou ao limite com os bombardeios no Líbano. “Como mãe de três, contemplava as imagens, as imagens em carne viva de crianças arrancadas dos escombros, e logo distorcidas pela Fox News. E escutava alguns de seus apresentadores, que afirmavam que esses pequenos assassinados, essas vítimas inocentes assassinadas, eram escudos humanos utilizados pelo Hezbollah. E um dos apresentadores chegou a dizer que foram colocados ali para o Hezbollah ganhar apoio nesta guerra. Foi algo incrível. Para mim, foi o ponto de ruptura”.
Sabbagh e uma colega, ressaltou Neville, enviaram uma carta conjunta de renúncia à Fox News com os seguintes termos: “Vocês não são só um instrumento da Casa Branca de Bush, e da propaganda israelense, vocês incitam a guerra sem ter sentido de decência, nem de profissionalismo”. “Um veredito amplamente compartido”, sublinhou Neville. “Fox News tem tido repórteres correndo no norte de Israel para detalhar cada ataque com foguetes e cada mobilização israelense, no entanto tem mostrado pouco ou nenhum interesse em relação a qualquer coisa que acontece do outro lado da fronteira”, disse Andrew Gumbel ao jornal britânico “Independent”.
Essa é a qualidade da “liberdade de imprensa” que eles pretendiam (e pretendem) manter na Venezuela. Distorcer fatos. Por isso, gritam contra o encerramento da concessão da RCTV. Mas não gritam contra outras centenas de concessões que não foram renovadas pelo mundo, inclusive nos EUA, como vimos no nosso artigo “Venezuela quer imprensa responsável”. E na concorrência de tal gritaria, a Band, não querendo ficar para trás da Globo, correu para entrevistar seu colega de mídia, o diretor-presidente da RCTV, Marcel Granier.
Além do apresentador Joelmir Betting, participaram os jornalistas Fernando Mitre, Antônio Teles, Fernando Dias de Melo, e Marcelo Parada, vice-presidente da Band, responsável pela TV aberta.
Joelmir Betting fez uma apoteótica apresentação daquela edição do “Canal Livre”, com imagens pinçadas de funcionários da RCTV chorando, bem ao estilo “Domingão do Faustão”. Outras imagens projetavam o presidente da Venezuela, Hugo Chávez Frías, fazendo contundente discurso (de uniforme militar e boina vermelha) chamando a RCTV de televisão fascista e avisando sobre a não renovação da concessão. Com a manipulação das imagens, a Band tentou engabelar os brasileiros ao projetar o enérgico presidente Chávez em contraste com os emocionados funcionários da RCTV.
Dizia a apresentação da Band: “O fim das transmissões emocionou os funcionários e levantou a discussão sobre a liberdade de expressão na Venezuela e em toda a América Latina. Os protestos se espalharam por todo o país. As medidas também afetaram as relações entre Brasil e a Venezuela. No início de junho o Senado brasileiro aprovou um requerimento em defesa do funcionamento da RCTV. Em resposta o presidente Hugo Chávez disse que o Congresso brasileiro agia como um papagaio do Congresso americano. O presidente Lula botou 'panos quentes' e disse que o presidente Chávez é parceiro do Brasil”. E a Band arrematou com uma alucinação: “A polêmica pode gerar conflitos na região”. “Hugo Chávez afirmou que está disposto a retirar o pedido de ingresso da Venezuela no Mercosul por causa da pressão do bloco contra o fechamento da RCTV”.
Joelmir, numa completa falta de respeito ao país vizinho e numa total paranóia, fez a pergunta que deu o tom daquela edição do “Canal Livre”: “Marcel Granier, a Venezuela estaria em contagem regressiva para a ditadura chavista?” E citou que tal processo teria três movimentos: presidência vitalícia de Hugo Chávez, a censura a toda liberdade de expressão e o partido único (acreditamos que seja uma alusão ao recém criado Partido Socialista Unido da Venezuela, que já tem mais de 5 milhões de filiados).
Marcel Granier, naturalmente, agradeceu muito a oportunidade e disse em tom absurdado disse que “a Venezuela está em marcha para um regime totalitário”. Afirmou que todos os Poderes na Venezuela são partidários do presidente Hugo Chávez. Disse que uma reforma constitucional está sendo elaborada secretamente, que há um clima de repressão policial, que Hugo Chávez tem sido muito aclamado pelo povo em geral (civil ou militar). Ele disse, mais absurdado ainda, que até os militares dão “vivas!” ao presidente Chávez.
Em resposta ao Fernando Mitre, que quis saber sobre a resistência ao presidente venezuelano, Granier disse que a oposição está planejando uma reação, mas que os partidos políticos estão em crise há muitos anos. Nesse sentido, o diretor-presidente da RCTV tem razão. Se de um lado os movimentos sociais (do povo) estão empolgados com a gestão de Hugo Chávez, de outro o movimento conservador realmente entrou em crise política, inclusive de desarticulação partidária. Isso talvez explique o fato de Granier ter reclamado tanto, durante a entrevista, que Chávez nunca se reúne com a oposição, nunca se reúne com os dirigentes sindicais, não se reúne com os intelectuais, e por aí foi.
Como pode o Sr. Granier querer tapear os brasileiros com tais afirmações de que um presidente, várias vezes reeleito, com milhões de pessoas nas ruas enfrentando os covardes tiros disparados pelas armas dos oposicionistas, não querer se reunir com as lideranças daquele país? Se a afirmativa do Sr. Granier fosse verdadeira (o que não é) estaríamos diante de um acontecimento incrível, sem igual no mundo. Ou seja, como Chávez teria conseguido tal façanha – ser reeleito diversas vezes, conseguir doação de vidas humanas (civis e militares) em defesa da Revolução Bolivariana? Como ele conseguiu tal feito sem sequer se reunir com as lideranças daquele país? Sem ouvir as lideranças, é algo impensável. Ou então, o presidente da RCTV tem um critério diferente de nós normais para definir “lideranças representativas”.
O vice-presidente da Band, Marcelo Parada, antes de dirigir nova pergunta ao Sr. Granier chamou este pelo título de presidente. E os demais jornalistas, como bons funcionários que são, também passaram a chamar Granier de presidente. Um tanto estranho, não é? Na linguagem popular isso significa “puxar o saco”. Parada: “Presidente, o senhor atribuiria essa perseguição do presidente Chávez ao seu canal de televisão, e ao senhor pessoalmente, o fato de que no golpe militar de 2002, que depôs o presidente Chávez por alguns dias, a sua rede de televisão teria se posicionado francamente a favor desse golpe?”.
E vem a mentira das grossas do “Goebbels” Granier: “Não é assim. É claro que meu canal de televisão não se posicionou em favor desse golpe, nem de nenhum outro golpe. Nossa televisão é uma televisão democrática”. Dá para acreditar? Não é o que diz o “Livro Branco sobre a RCTV”, que Granier, respondendo ao Fernando Mitre, disse não ter lido. É o que trataremos na nossa breve série de artigos.
Finalizamos este primeiro artigo introdutório, com uma importante pergunta do Fernando Mitre: “Presidente, o Ministério das Comunicações da Venezuela publicou um documento – o Livro Branco – que seria uma série de acusações à RCTV. Entre essas acusações estaria a ação objetiva da televisão apoiando o movimento golpista. Quais foram os movimentos que ocorreram no noticiário da televisão que o Governo Chávez considera golpista?”.
O “comunicador” venezuelano disse que, primeiro, foi devido o posicionamento crítico de sua televisão à concentração de poder do presidente Chávez. “Mas a publicação desse livro mostra como o governo venezuelano viola o Estado de Direito. Se o governo venezuelano tem alguma queixa sobre a RCTV ou de qualquer outra emissora (rádio, televisão) não tem que andar publicando livros. Ele tem é que iniciar um processo policial, que prevêem as leis, dando a oportunidade das emissoras se defenderem das acusações que se formulam. Esse documento é um documento parcial. (...) Não é nenhuma decisão administrativa, nem policial, e nenhum processo”. “Esse tal livro nunca nos foi entregue. Nós não vimos o livro. Nós não o recebemos. Entendo que ele circula em alguns meios, em alguns fóruns internacionais. Mas ele não tem nenhuma sustentação legal. E não estão permitindo a defesa de quem é acusado nesse livro”.
Granier não viu o Livro Branco? Então, como tece juízos sobre o petardo? Como pode ele arrogar-se no direito de dizer que o Governo da Venezuela, notadamente o Ministério do Poder Popular para a Comunicação e Informação, não tem que publicar livros? Granier é um tremendo arrogante. Ele não viu o livro? A publicação oficial (que é efetivamente o início de um processo, no qual a não renovação da concessão foi uma das sentenças) está disponível na internet, no portal do referido ministério. E mais: o livro é lido semanalmente pelo programa “La Trinchera”, na Emissora Comunitária ARTE 91,5 FM. Ele poderia ouvir essa rádio, seria educativo.
O livro foi publicado em março de 2007, bem antes de expirar a concessão da RCTV. Ou seja, houve tempo suficiente para o Sr. Granier ter lido o livro de 184 páginas. Mas ele pode estar falando a verdade, pode ser que não tenha lido. E se não leu está configurada a sua incompetência como administrador de uma concessão pública. Nós aqui do Brasil conseguimos baixar, com muita facilidade, nossa cópia, no formato PDF, gratuitamente, sem precisar preencher nenhum formulário de identificação. Está na primeira página do endereço eletrônico (http://www.conatel.gob.ve), do Ministério do Poder Popular para a Comunicação e Informação.
Os efeitos negativos do monopólio da comunicação
O “Livro Branco sobre RCTV”, em seu quinto capítulo, fala sobre a concentração das televisões privadas no espectro radiofônico, que, até 26/01/07, detinham 80% (UHF) e 78% (VHF). O livro lembra que a Declaração da Convenção Interamericana de Direitos Humanos da Organização de Estados Americanos (OEA), firmada em Washington declara: “Os monopólios ou oligopólios na propriedade e controle dos meios de comunicação devem estar sujeitos a leis anti-monopolistas por quanto conspiram contra a democracia ao restringir a pluralidade e diversidade que assegura o pleno exercício do direito a informação dos cidadãos. Em nenhum caso, essas leis devem ser exclusivas para os meios de comunicação. As concessões de rádio e televisão devem considerar critérios democráticos que garantem uma igualdade de oportunidades para todos os indivíduos no acesso aos mesmos”. Será um dos assuntos do próximo artigo Granier não viu o “Livro Branco sobre a RCTV”? (2).
José Carlos Moutinho é jornalista.